Bom, tudo começou no dia 07 de setembro de 2011, isso mesmo, no dia da Independência do Brasil. O desfile em homenagem a esse acontecimento fora cancelado devido às chuvas que caiam incansavelmente sobre a cidade de Rio do Sul já havia alguns dias. Para mim isso já era terrivelmente ruim, pois era um dia no qual eu poderia ver amigos dos colégios eu estudara anteriormente. Mas, como verão mais adiante isso será o menor dos meus problemas.
No dia 08, meu pai recebeu uma ligação por volta das cinco e meia da manhã e saiu muito apressado, dizendo-nos que estava indo a igreja a qual freqüentamos ajudar uns amigos a tirar as coisas de lá, pois a água já tinha tomado conta da rua atrás da igreja, que fica no bairro Canoas. Com isso comecei a ficar preocupada, porque sabia o drama e as dificuldades que as pessoas tinham passado na enchente de 1983. O tempo começou a passar e meu pai não voltava, eram oito horas e como meu pai não havia retornado abri a sapataria que tínhamos em nossa casa. Passou-se mais meia hora e quando já eram dez horas meu pai finalmente chegou e nos transmitiu noticias não muito boas: a água já tinha tomado o pátio da igreja, vários pontos dos bairros Canoas, Taboão e Barra do Trombudo já estavam alagados. Nós que morávamos na Av. Oscar Barcelos, um local relativamente alto se comparado aos demais, começamos a nos preocupar não somente com as demais pessoas que estavam sendo atingidas, mas com nós mesmos que estávamos impotentes diante da situação, sendo que a única opção seria sair de casa.
Quando era quase meio-dia, minha mãe foi dispensada do serviço, pois muitos dos colaboradores tinham que ir imediatamente para casa retirar suas coisas. Meu pai então saiu de casa para ver como estava a situação ali perto de casa, e quando retornou as noticias que trouxe foram um tanto desanimadoras: a água já estava na rua ao lado do Supermercado Imperatriz, foi que a situação piorou de vez e nós vimos que a coisa era realmente grave. Nós íamos ser vitimas de uma enchente! Almoçamos rapidamente e começamos a arrumar as nossas coisas, enquanto meu pai ligava para meu pai ligava para um de meus tios e para alguns amigos. Coisas de instantes estavam em cerca de dez pessoas em minha casa, cada um fazendo o que podia para retirar o mais rápido possível as nossas coisas de casa.
Já eram umas 13 horas, quando vimos à água começando a tomar conta da Av. Oscar Barcelos, pelo jeito a água estava se alastrando mais rápido do que o esperado e começamos a encaixotar e levar para outro lugar as nossas coisas o mais rápido que conseguíamos. Meu pai pegou um caminhão emprestado de um amigo, para levar para a casa do meu tio, coisas maiores como geladeira, sofás, guarda-roupas. Enquanto isso meu tio e alguns amigos levavam nossas roupas e outras coisas menores para suas casas, em seus carros convencionais.
Saímos definitivamente de minha casa por volta das cinco da tarde, a água havia se alastrado tão rapidamente que já estava na esquina da rua que vai para o Cemitério Municipal. O transito já estava impossibilitado, eram carros e caminhões andando na contra-mao e alguns mais “corajosos” arriscavam-se a passa no meio da água, que já alcançava mais da metade de um pneu. As pessoas passavam pela calçada com seus utensílios, e seus rostos retratavam desespero e espanto por ver que como e o quanto a situação estava realmente se agravando.
Quando chegamos à casa do meu tio, foi que a coisa piorou, pois a casa era pequena para sete pessoas. Mas, nesse caso dava-se um jeito para tudo. Às vezes a preocupação nos tomava de tal forma que faltava assunto entre sete pessoas que se conheciam muitíssimo bem. O radio ficava ligado dia e noite, para ver como estava a cidade. Porem as noticias que recebíamos não eram das melhores. Nas primeiras horas a água subia com uma rapidez surpreendente, porem logo depois começou a subir mais devagar. Porem isso não era o que mais nos afligia, mas sim as noticias que recebíamos de casa que eram arrastadas pelas águas, de pessoas que necessitavam de mantimentos. Os radialistas passavam cerca de 48 horas sem descansar.
No dia 09, logo pela manhã, descemos até onde podíamos para ver a como estava a cidade. Subimos então. No segundo andar da casa mortuária, de onde veríamos melhor. Mas, pensando melhor agora, preferia não ver a cena que vi naquele bendito dia! Era horrível, ver aquela cidade que sempre fora tão acolhedora a meus olhos, ser transformada em um mar imenso, mas acima de tudo imundo. Eram madeiras, papéis, plásticos e até mesmo geladeiras boiando naquela imensidão de água poluída. Um sentimento de culpa me tomou de uma forma que comecei a chorar. Sentimento de culpa sim, por saber que fomos nós seres humanos, que tivemos boa parcela de culpa pela enchente horrenda que houve.
Depois de vários dias fomos para a casa de outro tio meu que não havia sido atingido. Durante esses dias que estive lá, vimos às cenas desanimadoras que eram transmitidas pela televisão, cenas que mostravam a que ponto chegara a ira da natureza, cenas que só quem vivenciou acredita que realmente aconteceu. Foram também durante esses dias que a água escoou totalmente, e que meus pais foram limpar a casa onde havíamos morado. Segundo eles, o estado em que a casa estava era degradante, o chão que era feito de tacos estava parcialmente destruído, as paredes estavam imundas, tinham centímetros de lama dentro de casa, a pintura das portas havia saído.
Eu fiquei meio perdida no meio de toda essa confusão, pois nem ajudar podia devido ao risco de contagio de doenças e a falta de utensílios necessários para limpeza como botas e luvas. Com isso, tive mais tempo para refletir em tudo o que estava se passando em minha curta vida e no que faríamos quando “a poeira baixasse”.
Com o tempo as coisas foram voltando ao normal, as pessoas voltaram para suas antigas casas e retornaram para seus trabalhos. Meu pai que ficara desempregado, logo conseguiu um serviço como vendedor externo em uma transportadora e achamos uma casa para morarmos, pois meus pais não queriam correr o risco de voltar para a nossa antiga casa, correndo o risco de uma nova enchente. Foi tudo tão rápido que chega a ser difícil de acreditar.
Realmente a natureza tinha se revoltado contra o ser humano, mas sua vingança fora tão horrível que deixou nossa cidade drasticamente destruída, mas graças a Deus nossa recuperação foi muito mais ligeira do que esperávamos. Porém, essa catástrofe foi boa em uma coisa. Ela nos mostrou que ainda existem muitas pessoas boas no mundo porque vimos a solidariedade brotar dentro do coração das pessoas, no simples ato de doar uma caixa de leite a quem necessitava. Sintetizando essa ideia, a catástrofe que aqui ocorreu serviu para unir a todos e para mostrar que as pessoas podem não ser o que parecem, e que no fundo todo ser humano possui um amor pelo próximo que é totalmente desconhecido para si.
Um comentário:
Que belo texto! Digno de um prêmio!!!
Parabéns à aluna Jéssica, aos professores e a escola.
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